Passos silenciosos
Ziba de Weck Ardalan

Uma sensação de infinitude e um ligeiro desconforto nos invade ao ver e caminhar sobre Passos Silenciosos de Eduardo Coimbra (1994 - 2004). Essa instalação complexa consiste de uma vasta manta de cristais de sal grosso branco espalhados pelo chão da galeria, sua superfície perfurada por uma dúzia de pegadas humanas. Cada uma das pegadas revela uma imagem iluminada de um céu azul com nuvens cumulus. De pé no chão da galeria, ao lado da superfície de sal, há quatro pernas de cachorro empalhadas, posicionadas como se pertencessem a um cachorro sem corpo em movimento. O trabalho como um todo lida com questões como deslocamento espacial, aspectos sensoriais do movimento, tatilidade e imaterialidade.

Coimbra claramente manipula e desafia nossa percepção e compreensão do movimento. Por exemplo, a combinação de paredes brancas com uma grande área de sal branco no chão contendo imagens inesperadas de céu sob as pegadas cria uma sensação de constrangimento desconcertante ao reverter a ordem natural. Caminhando sobre o sal grosso, sentimos o imediatismo e a materialidade do meio, o que, por sua vez, aumenta nossa consciência do componente tátil dessa atividade física comum. Enquanto caminhamos sobre o sal, as imagens de céu nas caixas de luz continuam a nos desviar da realidade e induzem em nós uma sensação de distância, de um espaço além de nosso alcance e uma sensação de imaterialidade que aqui claramente se refere aos aspectos visuais do caminhar.

Por que Coimbra usa uma imagem do céu com nuvens cumulus? Sabemos que essas nuvens não são ameaçadoras, são o tipo de formações atmosféricas baixas que frequentemente aparecem no céu em um lindo dia de sol e acrescentam um interesse cênico em constante mudança. Também sabemos que as nuvens não são objetos per se, mas massas de pequenas gotas de umidade que absorvem e refletem a luz. De natureza transitória, as nuvens se acumulam e se desintegram com aparente facilidade enquanto flutuam livremente em um espaço indefinível. Esse movimento e transformação contínuos parecem sugerir que pertencem a um outro domínio, gerando em nós sentimentos muitas vezes nostálgicos e um desejo de liberdade.

Em Passos Silenciosos, Coimbra nos coloca entre opostos e perturba nossa noção e compreensão do que realmente está lá e do que deveria estar lá. Uma apreensão semelhante é sentida quando olhamos para os dois pares de pernas de cachorro empalhadas que Coimbra intencionalmente colocou um pouco mais afastados entre si do que seria natural. Ver quatro pernas como essas colocadas em posição de marcha normalmente seria suficiente para que o cérebro humano construisse uma imagem mental do corpo ausente do cão em movimento. Mas, novamente, Coimbra perturba e provoca nossa percepção e julgamento normais, desta vez posicionando as pernas para que o que vemos esteja em desacordo com o que conhecemos. Assim, nos tornamos sensibilizados e mais analíticos aos vários aspectos do ato cotidiano de caminhar. Coimbra também parece estar nos levando a refletir sobre os limites das possibilidades existenciais. Onde essas possibilidades começam e onde elas terminam? Andar sobre o sal também é uma experiência marcadamente diferente a cada vez. Passos Silenciosos é um trabalho em processo e, como tal, seu comportamento pode ser imprevisível. O sal absorve constantemente a umidade do ar e se transforma gradualmente em uma massa sólida, passo a passo até o fim do período da exposição.

2004

obs: este texto é um fragmento do texto de apresentação no catálogo da exposição Unbound - Installations by seven artists from Rio de Janeiro, realizada na Parasol unit, Londres, Inglaterra, em maio 2004



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